Colaboração de José Marins, com entrevista Teresa Cristina Cerqueira de Souza, a Flor de Caju
Os haicais que li me chamaram a atenção para uma sintonia fina entre a vivência e o uso da linguagem na realização do poema. Quem seria a haicaísta que assina como Flor de caju, me perguntei? Teresa Cristina é de Piracuruca, norte do Piauí. Piracuruca, peixe que resmunga, é também o nome do rio que passa pela cidade. Ela é professora, formada em Letras, mãe e avó. A riqueza da paisagem, da flora e da fauna onde mora, pode ser notada nos haicais dessa colega que tem no diálogo com a natureza e com seus leitores a singularidade de sua poesia.
José Marins - Seus haicais são portadores de uma delicada linguagem, uma simplicidade de mestra. Como foi que conheceu e desenvolveu seu gosto pelo haicai?
Teresa Cristina - Falar de como conheci e me apaixonei pelo haicai, remete a dois homens que “conheci”.
A primeira vez que vi Luciano Almeida foi em 2008, por volta do mês de março. Ele estava à uma mesa em um restaurante, folha de papel e caneta, mas o que me chamou a atenção foi o ato de ele contar sílabas com os dedos. Aquilo me atraiu e muito curiosa perguntei a uma amiga quem era aquele rapaz. “Um poeta.”, ela me disse, “Escreve uns poemas chamados haicais. Acho que ele conta a quantidade de sílabas para os versos”. Sim, literalmente ele contava sílabas poéticas. Ao chegar em casa procurei na Internet quem era Luciano Almeida e me encontrei com versos como este e uma forma toda particular desse haicaísta piauiense:
Uma porta se abriu dentro de mim descobrindo sensibilidade e imagens que eu não julgava possuir. Então, precisei falar com esse poeta. E o fiz. Enviei-lhe um e-mail e depois de oito meses de conversa online eu estava em febre pelo haicai. E como Luciano postava no Recanto das letras, eu também o fiz. Bem, Luciano faleceu em fevereiro de 2009 e não teve tempo de saber que eu rabiscava meus haicais, inclusive, (risos) com o hábito de contar sílabas nos dedos).
Uma aproximação com a Câmera Brasileira de Jovens Escritores no Rio de janeiro fez com que eu recebesse um e-mail de Djalma Stüttgen, em dezembro de 2009. Ele me enviou dois de seus livros em ebook: As Quatro Folhas e No Credo.
Bem, após a morte de Luciano eu me sentia perdida, já que em minha cidade não conheço quem pratique esse tipo de poesia. Uma visão de outro poeta e um professor. Djalma me pediu que eu desfrutasse dos poemas. E me arrisquei a lhe enviar um haicai:
Djalma me falou: “Não precisa de título. É o carinho interno. Está tudo contido nos seus versos. A imagem e você”. Eu começava a compreender uma realidade que sempre esteve comigo, mas que estava guardada, que eu reconhecia nas imagens do lugar onde sempre vivi. Bem, Djalma ainda hoje é meu mestre virtual; ainda não tive o prazer de conhecê-lo pessoalmente.
JM - Como você realiza os seus haicais com tantas vivências junto à natureza?
TC - No Piauí, chamamos à época das chuvas de inverno e o tempo seco e quente de verão. Nos primeiros meses do ano, as borboletas amarelas invadem os matos, principalmente perto do rio onde cresci. Desse modo, minhas imagens da natureza têm muito de borboletas e flores.
Sei que o fio condutor de meus haicais é minha infância, tão cheia de brincadeiras infantis ao ar livre. Em um e-mail enviado a Djalma, com haicais dessas lembranças, recebi como resposta um incentivo a trabalhar esses conteúdos na escola. Veja:
E Djalma: ”Você escreveu no quadro-negro? Isso educa. E a respeito do último, onde vai o seu pequeno barco?”. As ideias de meu amigo me levavam a querer ampliar minha visão de leitura do cerrado, da caatinga... do Brasil:
Ao que ele me respondia: “Teresa, vou ver o Sol. Vitória”. Era um estímulo, que me transformava em menina, em poeta:
JM - Então, como professora, você tem uma prática do haicai com os alunos?
TC - Desde que comecei a escrever haicais, em novembro de 2008, tenho buscado falar dessa poesia para os que me cercam. Procuro não fugir dessa essência que recebi. Os haicais são meus filhos, eu os pari e os mostro com orgulho. Assim, falo da vida que há neles:
A ideia é que meus alunos se encontrem na profundidade das palavras que estão num haicai. Hum, lembro-me de minha mãe quando lhe mostrei este:
As palavras dela: “Obrigada. Depois vou pedir uma remessa especial”.
JM - Como você pensa um futuro para a sua produção haicaísta? Pretende publicar em livro o que já vem fazendo em blog?
TC - Meu desejo é que as pessoas sintam a beleza, a delicadeza, as imagens, o diálogo que se tem com o haicai. Quero ter passos fortes para então correr atrás de um livro para publicar. E esse livro levará o nome de Cajuís. Sugestão de Djalma: “Cajus pequeninos, que são seus haicais, que agora ocorreu-me o nome de cajui, [do tupy akayu’i, ‘caju pequeno’.] S. m. ... (Aurélio), cujo cesto está repleto. Editado o seu precioso livro “Cajuis” mande-me um exemplar – exemplar”. Eu o farei. É uma promessa, meu amigo.
Tenho a impressão de que como até hoje ainda vejo as mesmas borboletas de minha infância, isso sugere que estou indo... e vou conseguir ser uma haicaísta do Piauí.
Outros haicais de Teresa Flor de Caju:
Cajuís maduros –
Reparto com os meninos
Meu lanche da escola
Início de junho –
Com flores no cajueiro
Penso já nos frutos
Manhã de março -
Os mandacarus abrem
suas brancas flores
O tempo das chuvas –
As folhas ficam mais verdes
por entre as flores
Abre-se – o céu
pois um bem-te-vi sozinho
parece tão grande
Flores de ipê –
Enquanto o vento não vem
enfeitam o chão
Perfume de rosas –
O calor da manhã tem
Mais delicadeza
Estrada de chão -
Os jumentos passam lentos
transportando palhas
Esta tarde seca!
As carnaúbas tão vazias
Sem os bem-te-vis
No mesmo lugar,
um menino e uma árvore –
Manhã agitada
Noite de calor –
E sem querer se calar
um grilo no quarto
Uma flor na água –
Borboletas amarelas
passam devagar
Mesmo com calor
é do céu da Caatinga
este azul suave
Blog de haicais da autora:
http://teresacristinaflordecaju.blogspot.com.br/
Contato: http://facebook.com/teresacristina.flordecaju
José Marins, é escritor e haicaísta: http://fieiradehaicais.blogspot.com/
Os haicais que li me chamaram a atenção para uma sintonia fina entre a vivência e o uso da linguagem na realização do poema. Quem seria a haicaísta que assina como Flor de caju, me perguntei? Teresa Cristina é de Piracuruca, norte do Piauí. Piracuruca, peixe que resmunga, é também o nome do rio que passa pela cidade. Ela é professora, formada em Letras, mãe e avó. A riqueza da paisagem, da flora e da fauna onde mora, pode ser notada nos haicais dessa colega que tem no diálogo com a natureza e com seus leitores a singularidade de sua poesia.
José Marins - Seus haicais são portadores de uma delicada linguagem, uma simplicidade de mestra. Como foi que conheceu e desenvolveu seu gosto pelo haicai?
Teresa Cristina - Falar de como conheci e me apaixonei pelo haicai, remete a dois homens que “conheci”.
A primeira vez que vi Luciano Almeida foi em 2008, por volta do mês de março. Ele estava à uma mesa em um restaurante, folha de papel e caneta, mas o que me chamou a atenção foi o ato de ele contar sílabas com os dedos. Aquilo me atraiu e muito curiosa perguntei a uma amiga quem era aquele rapaz. “Um poeta.”, ela me disse, “Escreve uns poemas chamados haicais. Acho que ele conta a quantidade de sílabas para os versos”. Sim, literalmente ele contava sílabas poéticas. Ao chegar em casa procurei na Internet quem era Luciano Almeida e me encontrei com versos como este e uma forma toda particular desse haicaísta piauiense:
Grafitada a rã
Nas ruínas de algum templo –
Súbito som de água.
Luciano Almeida (outros haicais do autor)
Nas ruínas de algum templo –
Súbito som de água.
Luciano Almeida (outros haicais do autor)
Uma porta se abriu dentro de mim descobrindo sensibilidade e imagens que eu não julgava possuir. Então, precisei falar com esse poeta. E o fiz. Enviei-lhe um e-mail e depois de oito meses de conversa online eu estava em febre pelo haicai. E como Luciano postava no Recanto das letras, eu também o fiz. Bem, Luciano faleceu em fevereiro de 2009 e não teve tempo de saber que eu rabiscava meus haicais, inclusive, (risos) com o hábito de contar sílabas nos dedos).
Uma aproximação com a Câmera Brasileira de Jovens Escritores no Rio de janeiro fez com que eu recebesse um e-mail de Djalma Stüttgen, em dezembro de 2009. Ele me enviou dois de seus livros em ebook: As Quatro Folhas e No Credo.
A densa neblina.
Aumentam pela varanda
Os focinhos amigos.
Djalma Stüttgen (do ebook As Quatro Folhas)
Aumentam pela varanda
Os focinhos amigos.
Djalma Stüttgen (do ebook As Quatro Folhas)
Bem, após a morte de Luciano eu me sentia perdida, já que em minha cidade não conheço quem pratique esse tipo de poesia. Uma visão de outro poeta e um professor. Djalma me pediu que eu desfrutasse dos poemas. E me arrisquei a lhe enviar um haicai:
Queimadas nas estradas
Cigarro jogado
O asfalto agoniza a dor
Da mata queimando
Cigarro jogado
O asfalto agoniza a dor
Da mata queimando
Djalma me falou: “Não precisa de título. É o carinho interno. Está tudo contido nos seus versos. A imagem e você”. Eu começava a compreender uma realidade que sempre esteve comigo, mas que estava guardada, que eu reconhecia nas imagens do lugar onde sempre vivi. Bem, Djalma ainda hoje é meu mestre virtual; ainda não tive o prazer de conhecê-lo pessoalmente.
JM - Como você realiza os seus haicais com tantas vivências junto à natureza?
TC - No Piauí, chamamos à época das chuvas de inverno e o tempo seco e quente de verão. Nos primeiros meses do ano, as borboletas amarelas invadem os matos, principalmente perto do rio onde cresci. Desse modo, minhas imagens da natureza têm muito de borboletas e flores.
As borboletas
Praticam idas e vindas
Em torno da flor
Praticam idas e vindas
Em torno da flor
Sei que o fio condutor de meus haicais é minha infância, tão cheia de brincadeiras infantis ao ar livre. Em um e-mail enviado a Djalma, com haicais dessas lembranças, recebi como resposta um incentivo a trabalhar esses conteúdos na escola. Veja:
Sem baladeira
O curió canta livre
Para os meninos
Todos os olhares
Para um barco de papel
Aula interessante
O curió canta livre
Para os meninos
Todos os olhares
Para um barco de papel
Aula interessante
E Djalma: ”Você escreveu no quadro-negro? Isso educa. E a respeito do último, onde vai o seu pequeno barco?”. As ideias de meu amigo me levavam a querer ampliar minha visão de leitura do cerrado, da caatinga... do Brasil:
Dentro da floresta
Um raio alcança
Uma vitória-régia
No alto da serra
O verde desce num cipó
E põe os pés no chão
Um raio alcança
Uma vitória-régia
No alto da serra
O verde desce num cipó
E põe os pés no chão
Ao que ele me respondia: “Teresa, vou ver o Sol. Vitória”. Era um estímulo, que me transformava em menina, em poeta:
Sploc sploc no banheiro
Soltas nas pequena mãos
Bolhas de sabão
Soltas nas pequena mãos
Bolhas de sabão
JM - Então, como professora, você tem uma prática do haicai com os alunos?
TC - Desde que comecei a escrever haicais, em novembro de 2008, tenho buscado falar dessa poesia para os que me cercam. Procuro não fugir dessa essência que recebi. Os haicais são meus filhos, eu os pari e os mostro com orgulho. Assim, falo da vida que há neles:
Água do riacho
O barquinho muda o rumo
Nas mãos do menino
Doce de goiaba
As formigas andarilhas
Movem-se na mesa
Hora do recreio –
O cheiro dos cajuís
conquista os meninos
O barquinho muda o rumo
Nas mãos do menino
Doce de goiaba
As formigas andarilhas
Movem-se na mesa
Hora do recreio –
O cheiro dos cajuís
conquista os meninos
A ideia é que meus alunos se encontrem na profundidade das palavras que estão num haicai. Hum, lembro-me de minha mãe quando lhe mostrei este:
Foto na parede
A anciã de pé relembra
Das negras madeixas
A anciã de pé relembra
Das negras madeixas
As palavras dela: “Obrigada. Depois vou pedir uma remessa especial”.
JM - Como você pensa um futuro para a sua produção haicaísta? Pretende publicar em livro o que já vem fazendo em blog?
TC - Meu desejo é que as pessoas sintam a beleza, a delicadeza, as imagens, o diálogo que se tem com o haicai. Quero ter passos fortes para então correr atrás de um livro para publicar. E esse livro levará o nome de Cajuís. Sugestão de Djalma: “Cajus pequeninos, que são seus haicais, que agora ocorreu-me o nome de cajui, [do tupy akayu’i, ‘caju pequeno’.] S. m. ... (Aurélio), cujo cesto está repleto. Editado o seu precioso livro “Cajuis” mande-me um exemplar – exemplar”. Eu o farei. É uma promessa, meu amigo.
Vento no capim –
As borboletas sabem
voar bem veloz
As borboletas sabem
voar bem veloz
Tenho a impressão de que como até hoje ainda vejo as mesmas borboletas de minha infância, isso sugere que estou indo... e vou conseguir ser uma haicaísta do Piauí.
Outros haicais de Teresa Flor de Caju:
Cajuís maduros –
Reparto com os meninos
Meu lanche da escola
Início de junho –
Com flores no cajueiro
Penso já nos frutos
Manhã de março -
Os mandacarus abrem
suas brancas flores
O tempo das chuvas –
As folhas ficam mais verdes
por entre as flores
Abre-se – o céu
pois um bem-te-vi sozinho
parece tão grande
Flores de ipê –
Enquanto o vento não vem
enfeitam o chão
Perfume de rosas –
O calor da manhã tem
Mais delicadeza
Estrada de chão -
Os jumentos passam lentos
transportando palhas
Esta tarde seca!
As carnaúbas tão vazias
Sem os bem-te-vis
No mesmo lugar,
um menino e uma árvore –
Manhã agitada
Noite de calor –
E sem querer se calar
um grilo no quarto
Uma flor na água –
Borboletas amarelas
passam devagar
Mesmo com calor
é do céu da Caatinga
este azul suave
Blog de haicais da autora:
http://teresacristinaflordecaju.blogspot.com.br/
Contato: http://facebook.com/teresacristina.flordecaju
José Marins, é escritor e haicaísta: http://fieiradehaicais.blogspot.com/