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sábado, 23 de fevereiro de 2013

Haicais do Piauí com sabor de caju

Colaboração de José Marins, com entrevista Teresa Cristina Cerqueira de Souza, a Flor de Caju

Os haicais que li me chamaram a atenção para uma sintonia fina entre a vivência e o uso da linguagem na realização do poema. Quem seria a haicaísta que assina como Flor de caju, me perguntei? Teresa Cristina é de Piracuruca, norte do Piauí. Piracuruca, peixe que resmunga, é também o nome do rio que passa pela cidade. Ela é professora, formada em Letras, mãe e avó. A riqueza da paisagem, da flora e da fauna onde mora, pode ser notada nos haicais dessa colega que tem no diálogo com a natureza e com seus leitores a singularidade de sua poesia.


José Marins - Seus haicais são portadores de uma delicada linguagem, uma simplicidade de mestra. Como foi que conheceu e desenvolveu seu gosto pelo haicai?

Teresa Cristina - Falar de como conheci e me apaixonei pelo haicai, remete a dois homens que “conheci”.

A primeira vez que vi Luciano Almeida foi em 2008, por volta do mês de março. Ele estava à uma mesa em um restaurante, folha de papel e caneta, mas o que me chamou a atenção foi o ato de ele contar sílabas com os dedos. Aquilo me atraiu e muito curiosa perguntei a uma amiga quem era aquele rapaz. “Um poeta.”, ela me disse, “Escreve uns poemas chamados haicais. Acho que ele conta a quantidade de sílabas para os versos”. Sim, literalmente ele contava sílabas poéticas. Ao chegar em casa procurei na Internet quem era Luciano Almeida e me encontrei com versos como este e uma forma toda particular desse haicaísta piauiense:

Grafitada a rã
Nas ruínas de algum templo –
Súbito som de água.
Luciano Almeida (outros haicais do autor)

Uma porta se abriu dentro de mim descobrindo sensibilidade e imagens que eu não julgava possuir. Então, precisei falar com esse poeta. E o fiz. Enviei-lhe um e-mail e depois de oito meses de conversa online eu estava em febre pelo haicai. E como Luciano postava no Recanto das letras, eu também o fiz. Bem, Luciano faleceu em fevereiro de 2009 e não teve tempo de saber que eu rabiscava meus haicais, inclusive, (risos) com o hábito de contar sílabas nos dedos).

Uma aproximação com a Câmera Brasileira de Jovens Escritores no Rio de janeiro fez com que eu recebesse um e-mail de Djalma Stüttgen, em dezembro de 2009. Ele me enviou dois de seus livros em ebook: As Quatro Folhas e No Credo.

A densa neblina.
Aumentam pela varanda
Os focinhos amigos.
Djalma Stüttgen (do ebook As Quatro Folhas)

Bem, após a morte de Luciano eu me sentia perdida, já que em minha cidade não conheço quem pratique esse tipo de poesia. Uma visão de outro poeta e um professor. Djalma me pediu que eu desfrutasse dos poemas. E me arrisquei a lhe enviar um haicai:

Queimadas nas estradas

Cigarro jogado
O asfalto agoniza a dor
Da mata queimando

Djalma me falou: “Não precisa de título. É o carinho interno. Está tudo contido nos seus versos. A imagem e você”. Eu começava a compreender uma realidade que sempre esteve comigo, mas que estava guardada, que eu reconhecia nas imagens do lugar onde sempre vivi. Bem, Djalma ainda hoje é meu mestre virtual; ainda não tive o prazer de conhecê-lo pessoalmente.

JM - Como você realiza os seus haicais com tantas vivências junto à natureza?

TC - No Piauí, chamamos à época das chuvas de inverno e o tempo seco e quente de verão. Nos primeiros meses do ano, as borboletas amarelas invadem os matos, principalmente perto do rio onde cresci. Desse modo, minhas imagens da natureza têm muito de borboletas e flores.

As borboletas
Praticam idas e vindas
Em torno da flor

Sei que o fio condutor de meus haicais é minha infância, tão cheia de brincadeiras infantis ao ar livre. Em um e-mail enviado a Djalma, com haicais dessas lembranças, recebi como resposta um incentivo a trabalhar esses conteúdos na escola. Veja:

Sem baladeira
O curió canta livre
Para os meninos

Todos os olhares
Para um barco de papel
Aula interessante

E Djalma: ”Você escreveu no quadro-negro? Isso educa. E a respeito do último, onde vai o seu pequeno barco?”. As ideias de meu amigo me levavam a querer ampliar minha visão de leitura do cerrado, da caatinga... do Brasil:

Dentro da floresta
Um raio alcança
Uma vitória-régia

No alto da serra
O verde desce num cipó
E põe os pés no chão

Ao que ele me respondia: “Teresa, vou ver o Sol. Vitória”. Era um estímulo, que me transformava em menina, em poeta:

Sploc sploc no banheiro
Soltas nas pequena mãos
Bolhas de sabão

JM - Então, como professora, você tem uma prática do haicai com os alunos?

TC - Desde que comecei a escrever haicais, em novembro de 2008, tenho buscado falar dessa poesia para os que me cercam. Procuro não fugir dessa essência que recebi. Os haicais são meus filhos, eu os pari e os mostro com orgulho. Assim, falo da vida que há neles:

Água do riacho
O barquinho muda o rumo
Nas mãos do menino

Doce de goiaba
As formigas andarilhas
Movem-se na mesa

Hora do recreio –
O cheiro dos cajuís
conquista os meninos

A ideia é que meus alunos se encontrem na profundidade das palavras que estão num haicai. Hum, lembro-me de minha mãe quando lhe mostrei este:

Foto na parede
A anciã de pé relembra
Das negras madeixas

As palavras dela: “Obrigada. Depois vou pedir uma remessa especial”.


JM - Como você pensa um futuro para a sua produção haicaísta? Pretende publicar em livro o que já vem fazendo em blog?

TC - Meu desejo é que as pessoas sintam a beleza, a delicadeza, as imagens, o diálogo que se tem com o haicai. Quero ter passos fortes para então correr atrás de um livro para publicar. E esse livro levará o nome de Cajuís. Sugestão de Djalma: “Cajus pequeninos, que são seus haicais, que agora ocorreu-me o nome de cajui, [do tupy akayu’i, ‘caju pequeno’.] S. m. ... (Aurélio), cujo cesto está repleto. Editado o seu precioso livro “Cajuis” mande-me um exemplar – exemplar”. Eu o farei. É uma promessa, meu amigo.

Vento no capim –
As borboletas sabem
voar bem veloz

Tenho a impressão de que como até hoje ainda vejo as mesmas borboletas de minha infância, isso sugere que estou indo... e vou conseguir ser uma haicaísta do Piauí.


Outros haicais de Teresa Flor de Caju:

Cajuís maduros –
Reparto com os meninos
Meu lanche da escola

Início de junho –
Com flores no cajueiro
Penso já nos frutos

Manhã de março -
Os mandacarus abrem
suas brancas flores

O tempo das chuvas –
As folhas ficam mais verdes
por entre as flores

Abre-se – o céu
pois um bem-te-vi sozinho
parece tão grande

Flores de ipê –
Enquanto o vento não vem
enfeitam o chão

Perfume de rosas –
O calor da manhã tem
Mais delicadeza

Estrada de chão -
Os jumentos passam lentos
transportando palhas

Esta tarde seca!
As carnaúbas tão vazias
Sem os bem-te-vis

No mesmo lugar,
um menino e uma árvore –
Manhã agitada

Noite de calor –
E sem querer se calar
um grilo no quarto

Uma flor na água –
Borboletas amarelas
passam devagar

Mesmo com calor
é do céu da Caatinga
este azul suave


Blog de haicais da autora:
http://teresacristinaflordecaju.blogspot.com.br/
Contato: http://facebook.com/teresacristina.flordecaju

José Marins, é escritor e haicaísta: http://fieiradehaicais.blogspot.com/

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Entrevista: Os haicais que vêm com o vento sul

Colaboração de José Marins


Não é todo dia que surge um poeta de haicai. Para esse tipo de poeta são precisos muitos anos, o observar das estações com sentidos hábeis e mente alerta, a escrita apurada que vem de insistente aprendizado, leituras e buscas.

Quando comecei a ler os poemas de Luiz Gustavo Pires, tive a forte impressão de haver descoberto um poeta, a pedra preciosa depois de meticuloso garimpo. Com esta entrevista ele também se revela um joalheiro na mestria de afinado cinzel na poética de sua arte.

Em seus dados nada de títulos, instituições, vaidades que tais. Apenas a claridade da sua poesia, a estrela que brilha em sua vida de poeta. Um livro, um prêmio. Gaúcho de Tramandaí, 50 anos, se autodefine como policial civil, poeta, companheiro, pai e amigo.

José Marins: Como foi que conheceu o haicai e aprendeu a realizá-los tão bem?

Luiz Gustavo Pires: Meu contato com o haicai foi no início dos anos 80. Lembro que li algumas traduções de haicais de Bashô, feitas por Olga Savary, na Biblioteca Pública de Porto Alegre. O primeiro haicai que me chamou a atenção foi este:

trégua de vidro:
o som da cigarra
aturde rochas

As imagens, cheias de símbolos, deixaram-me tonto. Muito em tão pouco. Por coincidência, também li esse haicai no livro Letra de Forma, de Osvaldo Cícero Wronski, poeta de Londrina/PR. Ler Paulo Leminski, na mesma época, Haroldo de Campos, Décio Pignatari , Octávio Paz, Ezra Pound e muitos outros, também me levou a desvendar o haicai. Me fascinou e eu me aprofundei. Tinha-se pouca literatura sobre o haicai no Brasil. Era difícil. Paulo Leminski foi um vetor. Lia sua poesia, seus haicais, e era aquilo que eu queria fazer. Em Porto Alegre, lembro, Mário Pirata, Ricardo Silvestrin, Alexandre Brito e outros, praticavam o haicai à moda leminskiana. Faziam poesia em mimeógrafo, cartazes e camisetas e vendiam pelos bares, praças e parques da Cidade. Daí, vieram os exercícios primeiros do poemeto. Meu primeiro quase-haicai, escrito em 1985, foi:

pé-de-vento
a poeira anda nervosa –
será o saci dentro?


Vieram outros e mais outros. Adotei a idéia de quantidade primeiro. Mas a produção ainda era muito pequena. Depois veio a qualidade. Mestre Goga diz em Goga e Haicai – um sonho brasileiro:
“não se preocupe com a qualidade, componha apenas“.
Eu já pensava dessa maneira, muito antes de lê-lo. Era assim com minha poesia. Claro, a qualidade para mim sempre foi imprescindível e passei a lapidar tudo o que escrevia. Lembranças de infância foram o ponto de partida, já que toda ela foi em contato direto com a natureza, em uma cidade do interior gaúcho, Rolante. Cheia de rios, riachos, morros, colinas, montanhas, florestas, campos, fauna e flora, clima e vivências. Tudo isso veio à tona. Eu lia tudo sobre poesia. Todos os poetas, brasileiros e estrangeiros e de todas as épocas. Do clássico ao concretismo. O que era bom eu absorvia. Com o tempo, tu bem sabes, vamos crescendo naquilo que fazemos. Comigo não foi diferente. Ao final dos anos 80 comecei a praticar o haicai com mais afinco. Foi quando saiu meu livro Quadrantal, não de haicais, mas de poemas mais concisos do que os que crio hoje. Minha poesia era urbana. Visceral. Era algo que eu trazia há muito dentro de mim, desde os meados dos anos 70, e resolvi publicá-los. Vencer o Prêmio Mauá de Literatura (Porto Alegre, 1989) me deu o empurrão necessário. Encantei-me com a palavra. Participei de encontros literários por aí afora, entrei em contato com diversas correntes da poesia, dentre elas o haicai. Em 1989, quando estava em Florianópolis lançando meu livro, fiz este haicai:

árvore grande:
nesta manhã de verão
não há melhor sombra
[sob a figueira da praça XV em Florianópolis – verão/dezembro/1989]

Este haicai foi um divisor de águas. Cresci muito em todos os sentidos. Mas sempre fui honesto comigo mesmo e autocrítico. Sou um homem tímido e muito reservado. Nunca projetei holofotes sobre mim. Tudo o que eu escrevia era guardado. Não mostrava a ninguém. E durante anos eu ficava sem escrever. De repente, voltava à ativa e (re)criava. Após um câncer de que fui acometido, atirei-me de corpo e alma à poesia. Resolvi mostrar o que sempre guardei, pois não sabia até onde iria. Nem minha esposa, Claudia, lia o que eu escrevia. Ela conhecia Quadrantal, mas os novos poemas e haicais veio a ler no ano passado. Foi quando ela passou a se interessar pela poesia e pelo haicai. Durante mais de 20 anos minha poesia hibernou. Me perguntei: por que guardar meus poemas e haicais? E hoje, estão aí em meus blogs, escarceunario (poemas), setecetaras (haicais) e manto de plumas (tankas).


segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Breve poética da leitura de haicai

Por José Marins

Quem se interessa pelo haicai descobre que é um poema dedicado à natureza, ao meio ambiente (para usar uma expressão da atualidade).

O leitor de livros de haicai exigente procura saber mais do pequeno poema, conhece dele a estrutura (redondilhas menores e maior), a ausência de rimas, mas conta os sons na métrica, dispensa o título, privilegia a linguagem simples.

Nota que o poema traz um efeito, um sentido no leitor, nas leituras sugeridas, seja uma cena, uma ação, um gesto, um canto de pássaro, o zinir do vento, o prateado do orvalho.

O haicai é um diálogo.

O poeta já se foi e deixou um bilhete, o poema, aos olhos do leitor. Captar o sentido que nem sempre está explícito, porque pode estar sugerido, é o deleite de sua leitura.

O poeminha não é feito de mínimo para alcançar o máximo. A pequenez de seus três versos busca a brevidade do instantâneo, o sucinto, o essencial. Ele não busca o máximo de sentidos, mas tão somente um número limitado de efeitos de si para quem o lê. Às vezes apenas aponta para um cisco na cena. Os grãos amarelos de pólen nas patas pretas da abelha.

O fulgor do haicai, que pode durar séculos, é o de uma estrela cadente, o piscar do pirilampo na escuridão, o som da rã ao mergulhar.

Quem quiser polissemia de palavras, múltiplos significados metafóricos, infinitas leituras, deve buscar outro tipo de poema. O haicai não existe para significar issos e aquilos, não há interpretação para se fazer, nem sentidos ocultos. O que temos para ler do poeminha está nele, brilhando como uma gota de orvalho que de súbito escorrega de cima de uma folha.

Se tivéssemos que conhecer todos os contextos, as cenas haicaísticas, os momentos, dos quais se capturaram os haicais, não poderíamos ser seus leitores.

O pertencimento a uma estação ou a outra é dado pelo kigo. O termo sazonal que nada explica, mas situa a vivência do poeta e a ecologia do poema. Mas ninguém é obrigado a saber a lista de termos de estação para ler haicai.

Um chavão entre os poetas do haicai, que soa como advertência, é: o haicai que precisa de explicação, não é um bom haicai.

Porém, confesso: como leitor eu gosto de explicações e histórias a respeito de haicais.

Assim, por exemplo, quando leio este haicai de Bashô:

vai-se a primavera –
os pássaros lamentam-se,
os peixes choram

O poema tem o suficiente, funciona sozinho e sustenta a minha leitura. Mas é inegável haver nele uma atmosfera dramática. Seria o exagero uma antevisão do inverno que se avizinha?

Um tradutor espanhol (Fuente) escreveu: “O final da primavera entristece Bashô, que sente as aves e os peixes participarem de seu sentimento.” Pode ser.

Entretanto, este poema inaugura aquela que é considerada a mais importante viagem deste poeta peregrino. Quando está prestes a partir, ele sente tristeza e apreensão. Os amigos o acompanham em barcos até o início do caminho por terra. Ali ele se despede com “lágrimas de adeus”. Depois de anotar o poema, Bashô escreve no diário: “Este poema foi o primeiro de minha viagem. Pareceu-me que eu não avançava ao caminhar. Tampouco as pessoas que tinha ido se despedir de mim se afastavam, (...)”

Ilustração retratando Bashô, autor anônimo.


Querer que o haicai seja outra coisa que não ele mesmo, com suas características técnicas e artísticas, é a pior forma de leitura que se faz, infelizmente, do poema. Compará-lo, por exemplo, à arte plástica para dizer que o haicai é muito “figurativo” e pouco “abstrato”, é uma forma de ignorar a riqueza de sua linguagem. Ou não teríamos um haicai, por exemplo, como este de Bashô:

escurece o mar –
a voz dos patos selvagens
vagamente branca

Aqui o poeta contrasta o escuro do mar com o branco dos gritos dos patos, ou seja, utiliza da sinestesia, um recurso sofisticado da linguagem.

Não estou dizendo que o haicai tenha que ter sofisticação. Sua afirmação como poema específico na poesia universal é secularmente definida. Sua linguagem continua sendo simples, nossas leituras é que precisam ser aprimoradas.

noite de invernia –
o silêncio por pouco
sem o som do rio

josé marins

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José Marins, é escritor e haicaísta
http://fieiradehaicais.blogspot.com

sábado, 19 de março de 2011

Hoje é dia de Super Lua Cheia

Maior e mais brilhante, a lua cheia deste sábado está sendo chamada de Super Lua Cheia. Saiba mais:

Se você tiver a impressão que a Lua está um pouco maior e mais brilhante neste fim de semana, existe uma razão para isso. A Lua Cheia deste sábado será uma super "lua perigeu" - a maior em quase 20 anos. Este fenômeno é bem mais raro do que a famosa Lua Azul, que acontece uma vez a cada dois anos e meio. As informações são da CNN. 
"A última Lua Cheia tão grande e tão perto da Terra ocorreu em março de 1993", disse Geoff Chester, do Observatório Naval dos EUA, em Washington. "Eu diria que ela vale uma olhada." 
Segundo o pesquisador, no perigeu a Lua fica cerca de 50 mil km mais perto da Terra do que quando está no ponto mais distante de sua órbita, também conhecido como apogeu. "Luas perigeu são cerca de 30% mais brilhantes e podem parecer 14% maiores do que as Luas que ocorrem no lado do apogeu da órbita lunar," diz o site da Nasa. (Terra Notícias) 


Preparem seus bloquinhos de notas e canetas, e vamos sair de casa pra observar a lua e caçar haicai.

Depois não deixem de compartilhar aqui nos comentários os haicais que compuseram :)


sábado, 26 de fevereiro de 2011

Confissões de um aprendiz de haicai

Resenha do livro Insistente Aprendiz
Por José Marins


Esse “Insistente aprendiz” é o segundo livro de haicais de Nelson Savioli, também saído pela Qualitymark.

No primeiro, “Burajiru Haicais”, os poemas vinham acompanhados da experiência de levar o haicai ao mundo corporativo. Agora a aventura é outra: publicar haicais e contar o gozo de sua criação, ou trazer suas associações com outros poemas, ou revelar fontes da memória do autor em notas que enriquecem a obra.

O poema haicai, tão exíguo, não necessita de explicações. Nelson sabe disso e faz das notas aos haicais sua confissão de aprendiz. Demonstra seu entusiasmo e satisfação com suas vivências haicaísticas. Seu haicai brota da vivência, e, também de uma busca pela leitura dos poetas clássicos e dos estudiosos (também em inglês).

A promessa feita no início de se buscar um diálogo com o leitor é cumprida de duas formas: o leitor pode realizar a leitura dos poemas e não buscar as notas; ou, num segundo momento, ler os haicais e cada uma das notas correspondentes e ter aí um outro prazer. Na leitura de alguns poemas busquei nas notas mais informações sobre aquele haicai e encontrei outros registros, espécie de ampliação das possibilidades de leitura, noutras o paralelismo interessante.

O autor não está sozinho. Antes Masuda Goga, Teruko Oda e Eunice Arruda fizeram algo parecido em menor escala no livro “Haicai – a poesia do kigo” de 1995. Neste, como dizem os autores: “Os haicais foram compostos sobre os mesmos temas (kigo), e, para melhor percepção por parte dos leitores, foi anexada a cada poema uma explanação (...)”. No livro de Savioli as notas não explicam nem têm finalidade didática, mas associam, abrem janelas para outras visões.

Se, infelizmente, em outros livros há o enxerto teórico pesado, aqui a leveza de alguns achados acrescentam novos significados e nos revelam porque o livro chama-se “insistente aprendiz”.

Outra realização interessante desse livro é o reconhecimento que Nelson Savioli tem para com os colegas. Atitude construtiva essa de anotar em livro as fontes, os colaboradores, os momentos, os “insights” do seu aprendizado.

É gratificante ler mais um novo livro que privilegia o haicai tradicional, que vem assumindo o seu espaço entre os estilos do poema haicai em nossa terra (um país de haicaístas como sonhou o mestre Kyoshi Takahama?)

Escolhi um poema de cada estação para ilustrar esta pequena resenha:

Esfrego o olhos.
Uma borboleta branca
sobre o lençol.

Aqui o poema registra também que se trata de uma vivência do poeta, requisito do feitio do haicai. Podemos ver a borboleta ou um desenho de borboleta nas dobras brancas. Esfregar os olhos ainda mostra alguém sonolento.

No velho mangue –
um caranguejo corre
sem fazer barulho.

Inúmeras são as recriações do haicai da rã de Basho. Este tem uma originalidade nutrida pela observação do poeta, a de que o caranguejo se move em silêncio. Demonstra que é possível buscar o que os antigos buscaram com voz própria.

Você também, grilo,
admira a beleza desse
arranjo de flores?

Bem ao gosto oriental, traz o haimi dos haicais de Issa, Basho. A justaposição dá conta de nos revelar um belo contraste.

Ainda sonolento –
brilho de um caco de vidro
anuncia a manhã.

O haijin é sempre um self acordado no poeta. O brilho de um caco é captado pela mente alerta. Ser aprendiz de haicaísta será isto, afinal?

A leitura de “Insistente aprendiz” trouxe-me o prazer do haicai compartilhado, a satisfação de ler os poemas de um colega dedicado.

Já estou à espera do próximo livro.

–––––

José Marins, é escritor e haicaísta
http://fieiradehaicais.blogspot.com


O livro pode ser adquirido através do site da Quality Mark ou nas livrarias (a pedido).

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

O Jardim da Haijin Alice Ruiz

Resenha do livro Jardim de Haijin
Por Alvaro Posselt


Nunca é demais mencionar que o haicai é uma forma poética de origem japonesa, composto de três versos de dezessete sílabas poéticas (5-7-5), é dividido em duas partes e deve conter uma palavra que indique o momento, a estação do ano em que foi realizado e assim registrar uma vivência ou resgatar uma memória de seu idealizador, tendo como cenário a natureza.

Despidos do rigor da métrica, os haicais de Alice Ruiz que integram o livro Jardim de Haijin, lançado recentemente pela Editora Iluminuras, formam uma ciranda de poemas vivenciados, como ela mesma cita, nos jardins dos amigos. Mas há outros que surgiram em ocasiões diferentes.

passeio no Ibirapuera
uma cerejeira florida
interrompe a conversa

Com grande percepção e técnica, Alice compõe haicais cheios de sensações, imagens e leveza, de linguagem simples e insinuante, em sintonia com a natureza.
Entre o permanente e o transitório, o poema nasce e se funde, é sentido e não intelectualizado.
As lentes são voltadas para o que está ao redor e não para o sentimentalismo. O profundo é a simplicidade.

paineira na chegada
ainda mais florida
no dia da saída

Dentro desse universo, o livro ganhou cores alegres que brincam com os poemas através das ilustrações de Fê. A relação entre um haicai e uma imagem deve ser sutil, e é o que acontece. Há muita harmonia e diálogo entre palavras e cores, há uma brincadeira para a qual o leitor é convidado.

vento no bambuzal
por todos os lados
portas que se abrem

O haicai já é centenário em terras brasileiras, apesar disso muitos autores escrevem seus poemas de três versos e os chamam de haicai. A curitibana Alice Ruiz, que no ano passado ganhou o Prêmio Jabuti pelo livro de poesia Dois em Um, sabe muito bem escrevê-los. Ao folhear o livro, os haicais saltam livres à nossa leitura, livres para serem haicais.


Caso queira comprar, tem nas livrarias Saraiva, Cultura, Folha (mais barato), FNAC et cetera.

domingo, 30 de janeiro de 2011

O mar cabe num haiku

Resenha do livro De Frente para o Mar
Por José Marins

Organizados por David Rodrigues, dez poetas viajam no haiku por mares de antes e de agora navegados. Embalado para presente numa bela capa, publicado pela Palimage, o livro nos chega prometendo um contentamento: o encanto do haiku.

Aqui a janela do haiku, aberta para o mar, capta visões e vivências de dez autores, uns veteranos como Albano Martins, Casimiro de Brito e Liberto Cruz, entre outros nomes da poesia portuguesa, e um jovem que desponta como haijin, Lécio Ferreira.

Escolhi um poema de cada autor para um breve comentário.

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Albano Martins – nos surpreende com esta vista da solidão que permite duas leituras: a vela inflada e a vela acesa.

Ao luar, uma vela
é também
uma estrela.

Um registro fino que me recorda Basho:

Ah, lua de outono —
Andando em volta do lago
passei toda a noite.

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Casimiro de Brito – também me lembra o sentir oriental neste irremediável estar só:

As ondas do mar
acompanham-se umas às outras –
e eu tão só.

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David Rodrigues – mostra uma observação acurada, ferramenta do poeta do haiku, nos traços delicados desta cena:

vagueio pela praia –
as ondas perdem e ganham
reflexos de sol

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Dinis Lapa capta com graça a imagem distorcida do peixe no vidro e a recria em

Pequeno aquário –
um peixe
atravessa o vidro.

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Lécio Ferreira – soube registrar este contraste interessante que denota a boa leitura dos clássicos.

rebentam as ondas –
mas também o silêncio
entre os bambus

É inevitável a lembrança deste outro poema do mestre Basho:

Vento cortante –
Se esconde em meio ao bambu
e desaparece.

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Leonilda Alfarrobinha – nos faz ler estas algas enroscadas nos pés de nossas lembranças. Se “recordar é viver”, para o haiku o tema das lembranças nos dá significativos poemas.

praia matinal –
tempos distantes regressam
no meio das algas

Lentos os dias vêm –
Os tempos que se foram
já se vão longe
Buson

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Liberto Cruz – o haiku-livre do poeta registra o estremecimento diante do mistério:

Frente ao mar
Que voz é esta
Que nos seduz?

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Lucília Saraiva – um temporal que se avizinha é a cena haicaística de onde a poeta percebe um momento de haiku:

na cumeeira do telhado –
uma gaivota
atenta ao temporal

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Luís Domingos – demonstra que o haiku pode ir além da percepção e trazer a marca da sazonalidade.

Tarde de inverno:
ainda voam as gaivotas
e os guarda-chuvas.

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Ivette Centeno – não diz a data deste setembro, se é final de verão ou começo de outono, daí a sutileza do momento deste casal e do haiku.

Anoitecer de setembro:
um casal abraçado
na varanda.

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Li com prazer a coletânea “De frente para o mar”. Se os poemas não seguem a forma tradicional, também não se afastam da tradição do haiku oriental e que se busca praticar hoje no mundo. Ou seja, aquele que mantém na escrita o sentido de haiku, o sabor, seu haimi. O que torna reconhecível esta forma do haikai e o distancia do simples terceto ou dos epigramas ocidentais.

David Rodrigues, pelo que noto com satisfação, vem se especializando em reunir poemas haiku, tornando mais visível a produção portuguesa.


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José Marins é escritor e haicaísta.

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Caso queiram exemplares do livro De Frente para o Mar, devem fazer o pedido através do site da Associação de Amizade Portugal-Japão. O preço é 10 Euros + portes de envio.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Arquivo: Resenha do Livro dos Hai-Kais

Mais uma vez agradeço ao João Antônio Buhrer, pelo envio de mais um material histórico relacionado ao haicai.

Desta vez, o arquivo é uma resenha do Livro dos Hai-Kais, publicada na Revista Planeta, na década de 80.

O Livro dos Hai-Kais é uma compilação de haicais de Issa, Bashô e Buson, traduzidos pela poeta Olga Savary, além de possuir prefácio escrito por Octavio Paz, um dos principais estudiosos desta forma poética na américa latina.


(clique nas imagens para visualizar num tamanho maior)


sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Arquivo: Cecilia Meireles comenta Bashô

Com o material enviado por um amigo meu, João Antônio Buhrer, consegui reunir várias reportagens, crônicas, resenhas e livros de haicai quase impossíveis de se achar até mesmo em sebos.

Compartilho com vocês uma destas raridades, a crônica feita por Cecilia Meireles comentando o haicai de Bashô:

(clique nas imagens para visualizar num tamanho maior)





segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Comentários ao primeiro renga do grupo Haikai

Segue abaixo os comentários de Paulo Franchetti acerca dos encadeamentos feitos no primeiro renga do grupo Haikai:

Tarde de verão

Tarde de verão –
Que refrescante
O cheiro da chuva!

A rede na varanda
Balançando retorcida.


* Aqui a ligação é sutil. Há uma continuidade, mas não evidente. O que é sempre melhor. O cheiro da chuva é trazido pelo vento. O vento, ausente, na primeira estrofe e também não referido explicitamente na segunda é que é o elemento de ligação.

A rede na varanda
Balançando retorcida.

A casa vazia.
O cachorro arranca as roupas
Que secam no varal.


* A rede balançando retorcida sugere ausência. Ela está retorcida e talvez isso queira dizer que está vazia há algum tempo. O poeta encadeou em cima da ideia de vazio, de ausência. A casa não é desabitada, como vemos depois. Apenas não há ninguém nela por alguns momentos. O cachorro, sem ninguém que o vigie ou por puro desfastio, ataca as roupas.

A casa vazia.
O cachorro arranca as roupas
Que secam no varal.

Ecoam pela cidade
As vozes do trio-elétrico.


* A excitação do animal fornece o elo para a estrofe seguinte. Não há ninguém ali, talvez porque foram todos para o Carnaval. O barulho da cantoria talvez seja o que excita o cachorro.

Ecoam pela cidade
As vozes do trio-elétrico.

Trilha de montanha
As dores das pernas somem
Ao som da cascata


• Um belo encadeamento, fazendo o renga torcer para outro lado. Alguém se afasta da zoeira da cidade, em direção a um recolhimento nas montanhas. Os cantos de Carnaval são substituídos pelo som da cascata. Correr atrás do trio elétrico cansa, como cansa subir a montanha. Mas o som da cascata alivia a dor do cansaço com a promessa do refrigério. Portanto, é um encadeamento que estabelece um contraste entre dois cenários, um urbano e um rural, e dois ruídos, um excitante outro relaxante.

Trilha de montanha
As dores das pernas somem
Ao som da cascata

A imagem de um Buda
Ondula no espelho d'água.


* Outro belo encadeamento, no qual o afastamento do tema do Carnaval e da cidade se completa. Há uma continuidade: a água da cascata agora forma um espelho de água, no qual se reflete uma imagem de Buda. A sugestão é de um mosteiro ou ermida. O repouso do corpo encontra um equivalente na sugestão do repouso da mente e da alma.

sábado, 9 de outubro de 2010

Primeiro renga do Grupo Haikai

Este foi o primeiro renga do grupo online Haikai. Organizado pelo Paulo Franchetti e Rosa Clement, esta ligação de poemas não seguiu nenhum padrão rígido quanto a métrica e/ou kigo, mas sempre foi prezada a simplicidade dos poemas e a sutileza da ligação entre terceto e dístico.

Tarde de verão

1.

Tarde de verão -
Que refrescante
O cheiro da chuva!

[Celso Pestana]

2.
A rede na varanda
Balançando retorcida.

[José Marins]

3.

A casa vazia.
O cachorro arranca as roupas
Que secam no varal.

[Antonio Ezequiel]

4.

Ecoam pela cidade
As vozes do trio-elétrico.

[Paulo Franchetti]

5.

Trilha de montanha
As dores das pernas somem
Ao som da cascata

[Rosa Clement]

6.

A imagem de um Buda
Ondula no espelho d'água.

[Antonio Ezequiel]

7.

Manhã azul -
O povo chega de metrô
À praça da Sé

[Celso Pestana]

8.

A plenos pulmões o pastor
Arrebanha novos fiéis.

[Antonio Ezequiel]

9.

Final do dia -
Tantas andorinhas,
Sob um céu de chuva!

[Paulo Franchetti]

10.

O gato sobre a mureta
anda pra lá e pra cá.

[Benedita Azevedo]

11.

Madrugada -
Chora na maternidade
o mais novo pai.

[Chris Herrmann]

12.

Alguém segue contente
pela neblina da cidade.

[Solange Yokozawa]

13.

Caminho de casa -
O sol brilhando nas flores
Da acácia-mimosa.

[Paulo Franchetti]

14

Na gangorra da praça,
a criança de cachecol

[Jiddu Saldanha]

15

Domingo de outono-
a janela a ser aberta
mostrará algo novo?

[Solange Yokozawa]

16.

De binóculo o vizinho
Vasculhando a vizinhança.

[Benedita Azevedo]

17.

Tanto mar...
Um cargueiro vai sumindo
Na linha do horizonte

[Celso Pestana]

18.

Cai a noite sobre as ondas,
piscam luzes dos faróis ...

[Guin Ga]

19.

Um táxi corre
Por avenidas desertas -
O boêmio ronca.

[Celso Pestana]

20.

Ao amanhecer, um pássaro
que não para de cantar.

[Rafael Noris]

terça-feira, 31 de agosto de 2010

#BlogDay - Lista de blogs de haicai

"BlogDay foi criado na convicção de que os bloggers deverão ter um dia dedicado ao conhecimento de novos blogs, de outros países ou áreas de interesse. Nesse dia os bloggers recomendarão novos blogs aos seus visitantes." -- http://www.blogday.org


01 - vagalua
Por Rosa Clement.

02 - haiku portugal
Por David Rodrigues.

03 - fieira de haicais
Por José Marins e Sérgio Pichorim.

04 - espaço do haicai
Por Monica Martinez.

05 - pétalas ao vento
Por Edson Iura.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Benedita Azevedo lança novo livro de haicais



HAICAIS TÊM O “RUMOR DA ONDAS”

Benedita Azevedo lança mais um livro de haicais realizados a partir de suas vivências na Praia do Anil, onde reside em Magé-RJ. São 99 poemas no estilo clássico que nos aproximam da natureza, dialogam com o leitor numa linguagem simples, mostrando imagens que passariam despercebidas não fosse a percepção treinada da autora e sua fina sensibilidade poética. Afinal, a poética do haicai é a da observação, dos sentidos e das sensações que captam a diversidade natural e as manifestações humanas de nosso povo.

Na apresentação escreve a haicaísta Rosa Clement: “É um nome muito apropriado para quem mora perto do mar e tem o privilégio de sentir a brisa e ouvir com frequência o rumor das ondas, como é o caso da autora.
Rumor das Ondas é, portanto, um livro que oferece uma variedade de matizes e formas de paisagens e atividades humanas. É um esforço recompensado e um merecimento.”

Ler mais esse livro de Benedita Azevedo é um privilégio e um prazer para quem ama a poesia do haicai. Eis alguns dos poemas do livro:


Quietude na praia –
Só a aragem da manhã
E o rumor das ondas.

Ao sol da manhã
Reflexos brilham no pasto –
Noite de geada.

Cintilando ao sol
As bolhas de sabão
Caem na varanda.

Ao romper da aurora
Suave perfume no ar –
Outra vez setembro.

Para adquirir o livro Rumor das Ondas, entre em contato:
benesazevedo@yahoo.com.br

***

Confira entrevista com Benedita Azevedo, publicada no blog no dia 14 de maio de 2010:

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Entrevista com Benedita Azevedo

por José Marins (*)

Admiro o trabalho haicaístico de Benedita Azevedo, porque vem com o traço significativo da vivência junto à natureza, marca registrada do haicai. Ela produz com espontaneidade generosa e a naturalidade de quem sempre foi haijin e (talvez) não sabia. Ela é um exemplo de quem busca o haicai clássico com boa vontade e dedicação. Acabo de editar o quarto livro de haicais dela pela Araucária Cultural, o Silêncio da Tarde; e, já estou editando o quinto, Rumor das Ondas. Esta entrevista é, principalmente, uma homenagem, um reconhecimento.

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José Marins - Como aconteceu o haicai em sua vida?

Benedita Azevedo - Em 2000, li o livro de Lena Ponte, “Na trança do tempo, haicai” que contém o posfácio “Uma poesia imigrante”. O haicaísta Luís Antônio Pimentel, me ofertou o livro “Poesia Budista Haicai” de autoria de Vinicius Sauerbronn, onde Pimentel, publica o artigo “Gênese do Haicai”, e me indicou o Jornal NippoBrasil que mantém uma página de haicais.

Comecei a escrever tercetos e a ler teoria do haicai. Em 2004 passei a participar do jornal NippoBrasil, os dois primeiros haicais a se classificarem foram:

Praia de Mauá.
O arrebol de outono vê-se
No espelho das águas.

Início da noite –
Na esquina da praia
O arrebol de outono.

Tornei-me assídua leitora da coluna “Pétalas ao Vento” de Edson Kenji Yura e ali iniciei o meu aprendizado sobre o haicai clássico. Seus artigos “O que é haicai?” do Nº 01 ao 10 foram fundamentais para meu aprendizado, a minha cartilha de alfabetização haicaísta.

Entusiasmada passei a escrever muitos tercetos, o kigo para mim, era apenas um tema. Queria aprender tudo sobre o assunto para escrever os meus haicais. Procurei a teoria nos livros de Literatura, nas gramáticas e dicionários, mas, eram poucas as informações. Mesmo assim, publiquei um livro em outubro de 2004 e o distribuí aos amigos.

Em julho de 2005, estive no Festival do Japão, em São Paulo, e conheci o Edson Kenji Iura, Hazel de São Francisco, Douglas e Alberto Murata que me convidaram para as reuniões do Grêmio Haicai Ipê.

Desde então, sou freqüentadora das reuniões mensais do Grêmio Haicai Ipê, que é a minha ESCOLA de haicai clássico. Lá, com a orientação da Teruko Oda, o estudo da obra de Mestre Goga, o rigor formal de Alberto Murata, dos questionamentos de Douglas, dos artigos do Prof. Franchetti e a disciplina do Edson, formei a minha visão haicaísta.

JM - Você vive cercada de natureza na Praia do Anil (RJ), como realiza seus haicais?

BA - A prática do haicai me ensinou a estar sempre ligada ao ambiente.
Em minhas caminhadas diárias tenho sempre um caderninho e caneta. Qualquer detalhe menos comum me chama atenção e vou anotando.
 O voo das garças, o marulhar das ondas, os pescadores em sua labuta, um rastro na areia, um socó comendo peixe na mão do peixeiro, a sombra da igreja, um idoso ou uma criança andando pela areia, a visão do Pão de açúcar, do Cristo redentor, da ponte Rio-Niterói, as casinhas dos pescadores, o cheiro de peixe frito, o conserto de um barco, tudo vai se transformando em haicai. É claro, como diz o monge Francisco Handa, nem sempre são bons, mas é uma prática diária.

JM - Você tem uma grande produção haicaística. Já publicou Canto de sabiá, Praia do Anil e Gota de Orvalho, sem falar nos jornais e revistas. Está lançando agora o Silêncio da tarde, como é este livro?

BA - Neste livro estão os haicais da minha produção diária, aqueles compostos sem o compromisso de enviar para os grêmios, jornais, revistas e concursos. São mais espontâneos e brotam à minha visão da cena. É uma seleção. Tenho um arquivo com mais de quinhentos haicais a serem trabalhados; mas, acabo fazendo novos e nunca tenho tempo de revê-los; entretanto, tenho pena de deletá-los. São cinco anos enviando, mensalmente, 09 haicais para o NippoBrasil e mais os esparsos. O “Silêncio da tarde”, também edição da Araucária Cultural, tal qual os três citados na pergunta, está lindo. Fiquei emocionada com a apresentação de Douglas e o depoimento de Savioli. Tudo ideia deste amigo e editor, José Marins.

JM - Você tem também um trabalho com crianças e coordena dois grêmios (o Grêmio Haicai Sabiá,em Magé e o Grêmio Haicai Águas de Março, no Rio). Tudo isso é amor pelo haicai?

BA - Posso dizer que sim.

Com o primeiro livro, “Nas trilhas do haicai”, a intenção era usá-lo, com os alunos, nas oficinas de redação, prática iniciada por mim, desde 1977, nas aulas de Português, no Colégio Marista do Maranhão. Continuei este trabalho em todas as escolas onde lecionei.

Ao planejar minha aposentadoria, fiz o “Projeto Haicai na Escola”, objetivando continuar as oficinas nas escolas, pois já não teria minhas turmas, inclusive com ex alunas do Curso de Letras.
Em 2005, quase todas as oficinas foram de haicai, então, surgiu a idéia de fundar um Grêmio, para oferecer as oficinas nas escolas e um local onde pudessem tirar dúvidas, nas reuniões mensais. Conversei com um grupo de professores e com o apoio do Grêmio Haicai Ipê, representado pelo Edson e a Teruko, fizemos o grêmio em 2006.

O trabalho repercutiu e duas Academias de Letras solicitaram-me palestras sobre haicai culminando em mais oficinas. Após o resultado, um grupo de escritores perguntou onde poderia aprofundar seus conhecimentos. Indiquei o Sabiá. Eles acharam difícil ir a Magé e perguntaram por que eu não mudava o Grêmio para o Rio de Janeiro? Mediante tanto interesse, entrei em contato com Edson e Teruko falando da minha intenção de fundar um novo Grêmio. Mais uma vez, apoiada pelo Grêmio Haicai Ipê, e a vontade dos escritores de aprimorar sua composição de haicai, foi criado o Grêmio Haicai Águas de Março, em 2008.

O grande amor que sempre tive pelo ato de ensinar, foi transferido para o haicai.

***


Alguns haicais de Benedita Azevedo, retirados do livro Silêncio da Tarde:

Ao romper da aurora
o sabiá dobra seu canto –
Só isso me basta.
-
Meados de outubro –
Da velha árvore tombada
surge um broto novo.
-
Jardineira em flor.
A beleza das rosas
agora esquecidas.
-
Chega o Ano Novo –
Acenam do portão
os filhos e os netos.
-
Os trilhos do trem
vazios sob a neblina...
Só resta a lembrança.
-
Silêncio da tarde –
Somente acordes de um piano
na reunião de maio.
-
Dia de Santo Antônio –
Será que há tantos solteiros
quanto velas acesas?
-
Sol fraco de inverno.
O casal de anciões
anda pela praia.

(*) Agradeço ao Rafael Noris a cessão deste espaço nesta sua revista de haicai.

Para adquirir o livro Silêncio da Tarde, entre em contato: benesazevedo@yahoo.com.br

terça-feira, 11 de maio de 2010

Cine Haiga: Jiddu Saldanha e Rafal Noris

Cine Haiga é um projeto idealizado pelo Jiddu Saldanha. São 7 haicais de algum convidado, ilustrados com suas fotos. É muito interessante o resultado, que pode ser conferido em seu blog Nosso Haikai.

No mês passado, fui convidado por ele para fazer parte desta importante lista de haijins que participaram (o que me deixou muito honrado, valeu!).

O vídeo vocês podem conferir logo abaixo:



Curtiu? Você pode fazer o download clicando aqui.