quinta-feira, 25 de março de 2010

PANORAMA DO HAICAI NACIONAL: Rosa Clement

A entrevistada da vez é a querida Rosa Clement que, junto com o Paulo Franchetti, organiza o grupo de discussão online Haikai. Assim como todo esse pessoal bacana que tenho entrevistado, conheci-a pela internet e virei fã. No grupo sempre dá ótimos pitacos e seu site Sumaúma é um achado sobre haicai na Internet, o qual muitas vezes me serve de referência para pesquisas sobre o gênero.

Voilà!

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Rafael Noris - Como você conheceu o haicai?

Rosa Clement - Conheci o haicai no início dos anos 90, quando eu morava no Havaí, Estados Unidos. Certo dia ao ler o jornal, um artigo chamou minha atenção. Tratava-se de um concurso de haicai para crianças e começava com um exemplo de haicai de 5-7-5 sílabas, só que o suposto haicai era composto apenas do termo 'blah'. Fiquei bastante curiosa e quis saber mais. Depois dessa estranha introdução vinha a definição formal e comentava sobre o exagero ocidental em rodear a forma de tamanho misticismo. Inclusive mencionava a possibilidade de crítica ao jornal por alguns leitores mais eufóricos, devido ao exemplo dado no artigo. Por fim anunciava o concurso. Para mim foi bastante. Aquela leitura despertou meu interesse em saber o que poderia substituir aquele conjunto de blah-blah-blah. Então, sempre com cautela, procurei mais informações sobre o assunto em livros e na Internet, e me envolvi com o fórum da Compuserve que funcionava na época. Para mim,
o haicai parecia um poema fácil de escrever, mas com o decorrer do tempo vi que não era assim tão fácil.
Desde então venho tentando aprimorar meu nível de compreensão e, enquanto isso, sigo escrevendo meus haicais.

RN - O que é ser haicaísta num local como o Amazonas, onde existe um bioma tão rico?

RC - Para nós haicaistas que moramos na cidade de Manaus, não é muito diferente daqueles que vivem nas grandes capitais. Estamos cercados de cimento, de altos edificios e do caos do trânsito. Portanto,
encontrar uma fonte de haicai significa estar sempre atento ao que se passa ao nosso redor.
Ou, dependendo das facilidades, podemos pegar um barco e fazer um passeio pelo rio. Aí sim, podemos levar um caderninho para não esquecer e anotar, pois encontramos cenas que cabem em diversos haicais. Se eu tivesse conhecido o haicai quando eu era criança teria muita matéria prima para haicais, pois viajei muito pelo interior com meu pai, que costumava levar a família em seu barco para visitar meus avós. Fazíamos diversas paradas para apreciar a paisagem. Várias vezes fui pescar com meu avô, andei por intrincados caminhos de rio, enfim, tive uma infância bem próxima da natureza. Enquanto que hoje, considerando que moro na Amazônia, minha casa está localizada num conjunto habitacional onde basicamente só se vê cimento para todos os lados. Mas é uma das poucas casas que ainda possui árvores: um pé de abiu no jardim da frente, pupunhas, cupuaçu e araçá no quintal.

Enfim,
para criar haicais verdadeiramente amazônicos é preciso conhecer as peculiaridades de nossas exóticas fauna e flora e vivenciar os momentos que queremos transpor para o papel.
RN - Quais as dificuldades que o haicai tem enfrentado e quais você acha que ele ainda vai enfrentar?

RC -
Ainda há muitas dificuldades para serem superadas no nosso haicai. A mais importante delas é colocar no terceto o espírito do haicai. A falta de compreensão do que seja esse espírito é um agravante, posto que não há fórmulas ou regras para ensinar como capturá-lo. É uma questão de percepção.
É este espírito que nos faz sentir o impacto do haicai e se não estiver presente pode deixar o leitor indiferente diante das palavras. Acho que isso acontece principalmente por causa da definição da forma começar sempre dizendo que haicai é um poema de três linhas, de 5-7-5 sílabas. Tenho a impressão que isso é o que fica mais retido na mente do interessado em escrever haicai e ele acaba escrevendo apenas tercetos. É muito difícil para o haicaísta brasileiro se desvencilhar dessa regra. De qualquer forma, escrever haicais genuínos não é fácil. Uma outra dificuldade é a presença do kigo que faz parte da definição formal do haicai. O kigo, ou termo da estação, requer uma boa compreensão das estações do ano e dos elementos que as compõem. É preciso ter essa ideia clara para evitar o uso de dois ou mais kigos num só terceto. Isso tem ocorrido diversas vezes e a suposta obrigatoriedade pode levar à construção de haicais forçados ou artificiais. Quanto às dificuldades que o haicai pode vir a enfrentar, uma delas é a de se tornar, a curto prazo, uma arte amplamente conhecida pela maioria dos brasileiros, inclusive por todos os poetas. Uma outra é sua presença no cenário internacional. Acredito que diferente do futebol e do samba, o haicai brasileiro poderá demorar um pouco a ganhar fama.

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Haicais de Rosa Clement:

sol de verão
uma vespa saboreia
a cerveja de todos

aulas de reforço
o menino faz da prova
um aviãozinho

apagão
um peixe amarelo-choque
quieto no aquário

seixos do rio
a onda que chega deixa
todos no lugar

noite de luar
a silhueta do lobo
tal qual um lobo



Rosa Clement em breve vai completar incríveis, mas bem-vindos, 56 anos. Mora em Manaus, Amazonas com seu marido, tem duas filhas, dois netos, dois cachorros vira-latas e quer a todos muito bem. Aposentada por ter a saúde fragilizada por doenças crônicas, mas gosta muito de escrever poemas e haicais nas horas de calmaria. Gosta de se dedicar ao estudo do haicai também. Já publicou dois livros, um de poemas infantis e outro de cozinha, além diversas contribuições em antologias de poesia. Possui também alguns trabalhos publicados em sites na Internet, além de manter um site próprio com seus poemas (www.sumauma.net/amazonian) e outro dedicado ao haicai (http://www.sumauma.net/).

6 comentários:

  1. A delicadeza é a marca registrada dessa haicaista, o que transparece nos seus poemas. Que, além disso, é também, como temos visto, uma eficiente agregadora de corações e mentes voltados para o poemeto japonês.

    Beijos&abraços.

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  2. Rosa é de uma imensa sensibilidade e se dedica à literatura com paixão. Seu talento salta aos olhos. E, se não bastasse isso, ela transmite seu conhecimento com generosidade. Tenho aprendido muito com ela sobre o verdadeiro espírito do Haicai e aproveito para deixar aqui minha singela homenagem...

    A terra molhada -
    Uma Rosa de presente
    não tem estação.

    Com um afetuoso abraço,
    Chris

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  3. Rafael e Rosa, este trabalho em conjunto é um presente para quem quer sempre aprender mais do haicai. Lições de todas as naturezas. Rafael, multimídia, parabéns pela iniciativa. Abraços

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  4. cada vez que sai uma entrevista, fico já ansioso pela seguinte; boníssimo, meu caro.

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  5. obrigado pela foto da rosa clement tive que fazer um trabalho de escola e essa foto caiu como uma luva! Também adorei a cronica Dizeres de Minha Mãe!! Valeu mesmo!!!!!!!

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