domingo, 31 de janeiro de 2010

PANORAMA DO HAICAI NACIONAL: José Marins

O entrevistado de hoje para o Panorama do Haicai Nacional é José Marins, certamente uma das vozes mais interessantes da Curitiba atual quando se fala de haicai. Aqui ele conta um pouco sobre o relacionamento com Leminski, disserta sobre sua visão do haicai e os diferentes estilos deste gênero entre os praticantes paranaenses. José Marins é também responsável pelo Grêmio Haicai Manacá.

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Rafael Noris - Como você conheceu o haicai?

José Marins -
Ainda não conheci o haicai, talvez nunca chegue a fazê-lo. O haicai não é apenas um poema, é uma educação permanente, um caminho (ainda bem que longo e estimulante).
Meus momentos de aprendizado foram mais ou menos os seguintes: primeiro com Paulo Leminski. Lendo meu livro de poemas Fazendo O Dia, ele apontou para alguns tercetos e disse que se pareciam com haicais. Como todos os domingos me encontrava com ele na Feira do Poeta, em Curitiba, e ele me saudava “o que tem para me mostrar, poetinha?”, passei a incluir alguns supostos haicais nessa amostra. Ele apontava o que melhorar, nunca criticava. Paulo era um professor e um cavalheiro. Então publiquei meu livro POEZEN com 88 haicais no estilo leminskiano, isso foi em 1985. É bom dizer que não tínhamos onde pesquisar, ler, estudar. Livros eram poucos, poucas fontes, não havia Internet. Paulo Leminski publicou o seu “Bashô” no mesmo ano em que saiu em português o livro do Mestre Basho, “Viagem aos confins” (Tradução da Olga Savary), foram minha fortuna de leitura. Quando me caiu nas mãos a coletânea “Quatro Estações”, com haicais dos poetas do Grêmio Haicai Ipê, de S. Paulo, fiz contato com um haicai mais voltado para a origem. Depois, buscando esse pessoal, encontrei a Haikai-l e, de susto em susto, fui aprendendo o que é de fato o haicai. Devo muito ao Edson Kenji Iura, Paulo Franchetti, Rosa Clement, Douglas Eden, Celso Pestana e ao meu parceiro de trabalho haicaístico Sérgio Francisco Pichorim (com quem publiquei um livro, o Pinha-Pinhão, Pinhão-Pinheiro). E ao meu “padrinho”, Antônio Augusto Assis, o A. A. Assis, grande trovador, a parceria diária na troca de trovas, haicais, senryus e tercetos encadeados.

RN - Você têm pesquisado os vários caminhos que o haicai tem tomado no Brasil, como acha que estes modos diferentes podem conviver entre si?

JM - Fiz uma longa pesquisa sobre o Haicai no Paraná. Ali vicejaram cinco grandes estilos: japonês (via mestre Nempuku Sato em língua japonesa junto à colônia de imigrantes no norte do estado); kolodyano (pela pioneira Helena Kolody e seguidores); guilhermino (com os seguidores de Guilherme de Almeida); haicai-livre (Paulo Leminski e seguidores); e, haicai clássico (mais recente, com Sérgio Pichorim, José Marins, Delores Pires). Creio que é o que ocorre no Brasil: há uma parte genérica e outra mais específica, regional. Há poetas que passaram por várias destas tendências, outros permaneceram sempre na mesma. Eu faço haicai em vários estilos, mas minha produção em maior número é a clássica. Quem tiver interesse em conhecê-la pode visitar o blog Fieira de Haicais.
O gênero haikai é um só, ele engloba um tipo clássico de haicai, cuja origem está fundamentada nos mestres japoneses Basho, Issa, Onitsura, Shiki, Sato, Goga, etc. No gênero haikai temos o poema haicai, o haibun, o tanka, o renga, a haiga, o senryu.
O que mais se destaca é o haicai, chamado no exterior de haiku (que é o nome que passou a ser difundido desde a morte de Shiki em 1902). Para mim só existe um tipo de haicai, o restante são estilos provindos da forma tradicional ou clássica. Cada vez me convenço mais da inutilidade desses adjetivos, pois
o haicai é um só: o que tem sentido de haicai, haimi:
mais ou menos dezessete sílabas poéticas, distribuídas em duas partes interligadas ou contrastantes em três versos, contendo o termo de estação (kigo), usando uma linguagem simples, sem rimas ou metáforas.

RN - Quais são seus planos, atuais e futuros, dentro deste gênero?

JM - Nenhum. Não pratico o haicai como faço com outras formas de literatura. Tenho muitos haicais realizados, talvez esteja na hora de publicar algum livro com uma seleção deles. Escrevo haibun e tenho um especial carinho por ele, é possível que saia primeiro um livro dele. Insistem em minhas aulas, palestras e oficinas para que eu publique aquelas contribuições na forma de livro, quem sabe. Gosto de compartilhar o que aprendo, mas por enquanto estou mais interessado em publicar meus romances e contos.

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Haicais de José Marins

manhã no parque
refletido na lagoa
um ipê florido

pausa no quintal
diante da pitangueira –
flores ao luar

estrada florida
os passos vão devagar
junto com a brisa

sol de fevereiro
o prateado da tilápia
na ponta da linha

apago a lanterna
na barraca surge a luz
de um vaga-lume

final da manhã
um tempo para a esposa
e suas margaridas

começo da tarde –
na banana sobre o muro
um sanhaço azul

um templo vazio —
no silencioso refúgio
o canto do grilo

tardinha de maio
o sol se foi dos vitrais
e a noiva não veio

domingo no parque
barulho de folhas secas
entre os caminhantes

cafezal geado —
busca um sino ao longe
mudo lavrador

gato na varanda
vê o cachorro se molhar
garoa de manhã




José Marins é haicaísta, escritor, residente em Curitiba. Coordena cursos, oficinas literárias e palestras sobre haicai e narrativas pessoais. Publicou Fazendo o dia (poemas), Poezen (haicais), Monalisa, a conchinha sabida (infantil), Pinha-Pinhão, Pinhão-Pinheiro (renga em parceria com Sérgio Pichorim), A Brisa É Você (coletânea de minicontos), O dia do porco (romance inédito), Quiçaça (romance inédito), Alucinário (minicontos inédito), O treinador de tico-ticos (contos inéditos) e Haibun (prosa haicaística inédita).

7 comentários:

  1. Marins, Noris:

    Uma bonita história de amor. Parabéns.

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  2. Trabalho encantador. Parabéns ao Rafael pelo blog e pela excelente condução da entrevista e o amigo Haijin José Marins pelas respostas claras.

    Abraços,
    Chris

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  3. hahahahah Obrigado, Pestana. Mas se pensar assim, tenho também uma história de amor contigo, pois também o admiro ;)

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  4. Ah, Chris, esta turma é fantástica, não? Ainda estou tentando mexer uns pauzinhos para continuar com esta série de entrevistas, tem sido muito bacana pra mim, tenho certeza que pra quem visita também ;)

    Abraço!

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  5. Se haikai fosse dinheiro, Marins estaria rico. Tão rica é a sua produção e seus haikais. Tem que virar livro e livros! Eu já cobrei. Estou esperando. Parabéns, Rafael. Abraços.

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