terça-feira, 26 de janeiro de 2010

PANORAMA DO HAICAI NACIONAL: Nelson Savioli

Outro grande haicaísta que conheci através da Haikai-l foi Nelson Savioli. Após ler vários haicais dele por lá, fui pesquisar um pouco no Google e descobri  que ele já havia publicado um livro de haicais (que recomendo!) e foi criador de um projeto de RH que leva esta forma poética às empresas: A Quem Interessar Possa.

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Rafael Noris - Como você conheceu o haicai e o que te motivou a prática do mesmo?

Nelson Savioli - Adolescente, conheci o haicai pelo livro do Octavio Paz, a partir deste pelos escritos do Tablada, ao mesmo tempo em que comecei a interagir mais com meus amigos e conhecidos da colônia japonesa em São Paulo, alguns dos quais praticavam o haicai tradicional. Passei a acompanhar também Millôr Fernandes com seus senryu na imprensa.

Admirador dos filmes japoneses, principalmente do Kurosawa – que tem obras excepcionais sobre o período da história japonesa dos séculos 16 e 17, e das xilogravuras Okiyo-e dos séculos 18 e 19, passei a estudar os hajin clássicos, como Bashô, Onitsura, e Buson, e seus discípulos.

Para alguém de fora do contexto do haicai tradicional parece fácil praticá-lo. Não é o meu caso:
é difícil ser conciso ao expressar uma ação no presente, junto à natureza, sem sentimentalismo, sem adjetivação desnecessária, sem explicar tudo ao leitor, fazendo uma justaposição entre permanência e efemeridade. 
Muitas vezes me flagro fazendo abstrações, juízos de valor, alegorias que não se encaixam no cânone haicaístico.

Mas, às vezes, pude conjugar o haicai tradicional com alguma ferramenta poética, como a aliteração, por exemplo:

Lá fora, lua fria.
Leve balanço do trem
lembra minha mãe.

Escrevo haicais supostamente tradicionais porque creio que nada mais prático do que uma boa teoria. Pode parecer paradoxal, mas
a necessidade de seguir determinadas regras pode aumentar a criatividade: definido qual é o plano de vôo, há mil maneiras de se chegar bem ao destino, sem causar dano à aeronave.
Dá para ser romântico sem arranhar os limites do tradicional:

Geada na serra.
Na borda do copo brilham
nossas digitais.

E como ninguém é de ferro, também cometo meus pecadilhos em relação ao haicai tradicional, aproximando-me do senryu:

O grilo aparece
no meu livro de latim.
Dois analfabetos.

RN - O haicai sempre interfere em nossa vida pessoal, em nosso modo de estar no mundo. Esta interferência acontece também no âmbito profissional?

NS - Sim, e no meu caso, positivamente.
Tenho usado a prática do haicai como um artefato cultural (vide Edgar Schein) para melhorar a objetividade na comunicação entre empregados e colaboradores de uma organização.
Em encontros chamados de A Quem Interessar Possa, voluntários ouvem papos sobre haicai, conhecem exemplos dos mestres da matéria e passam a praticá-lo dentro do grupo, submetendo-se a uma avaliação cruzada. Depois que conseguem fazê-lo minimamente aceitável, percebem que a objetividade aprendida para expressar uma cena objetivamente em mais ou menos dezessete sílabas no haicai pode ser transposta para e-mails, conversas telefônicas, discursos etc. É uma atividade geralmente prazerosa para o ser humano e economicamente vantajosa para a organização, que cedeu parte do horário de trabalho para uma atividade de desenvolvimento profissional.

RN - Qual foi sua maior realização, a que te deixou mais emocionado, dentro do haicai?

NS - O que mais me tocou nessa experiência foi receber inúmeras críticas e sugestões após a publicação do meu livro Burajiru Haicais. Já havia publicado outros livros, mas todos no mundo da Gestão de Pessoas. Escrever poesia – e supostamente japonesa – e ter a presunção de publicá-la poderia redundar, eu temi, num silêncio total por parte dos “outros”. Com alívio, percebi que muita gente se interessava pelo assunto e por me dar feedback. Esse livro me proporcionou ser convidado, juntamente com o professor Paulo Franchetti (titular de Literatura da Unicamp), para participar de um painel de debate sobre haicai na Academia Brasileira de Letras, que recebia dois professores de universidades de Tóquio, por ocasião dos festejos do Centenário da Imigração Japonesa ao Brasil.

Nelson Savioli é Superintendente Executivo da Fundação Roberto Marinho. Graduado em Direito pela PUC-SP, sempre foi um profissional ligado à área de Recursos Humanos. Trabalhou com RH em empresas como Unilever, Rhodia, Alcan, Bosch, Johnson & Johnson, tendo também atuação marcante na APARH (seccional da ABRH em São Paulo), e na ABAPE – Associação Brasileira de Administração da Pessoal (atual ABRH- Nacional) onde foi precocemente diretor. Em 1993 assumiu a Diretoria de Planejamento e RH do jornal O GLOBO. Em 1996 voltou a São Paulo, trabalhando como Diretor Nacional de RH da Unilever e quatro anos mais tarde retornou ao Rio de Janeiro para assumir seu cargo atual. Entre seus livros publicados, destaco Fracassos em RH, Reflexões Sobre o Exemplo e o já citado Burajiru Haicais.

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