Panorama do Haicai Nacional: Guin Ga

Agradeço imensamente o José Marins por mais esta grande colaboração. Este novo texto do Panorama do Haicai Nacional segue uma estrutura diferente das outras, com suas sempre três perguntas. O que se vê aqui é um depoimento, um relato biográfico do caminho haicaístico pelo qual o Douglas percorreu, o que se encaixa perfeitamente na proposta da série. Espero que gostem e não se importem com este modelo diferente. Aliás, se preferirem este ao antigo, avise nos comentários, assim nas próximas entrevistas seguiremos deste novo jeito. Abraços e boa leitura!

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GUIN GA, O CAPITÃO DOS MARES HAICAÍSTICOS
Por José Marins

Aprendi a admirar o Douglas Éden Brotto, o nosso Guin Ga (nome haicaístico), desde que me integrei à lista Haikai-l, em 2000. Pesquisei os mais participantes do fórum e descobri que ele é o que mais contribuiu. Sua marca sempre foi o diálogo e a camaradagem, traço de seu cavalheirismo. Suas postagens colocaram ao nosso alcance os teóricos estrangeiros do haicai, além de seus próprios ensaios, reflexões e questionamentos.

Douglas auxilia o desenvolvimento de três grêmios de haicai, o Ipê (SP) desde 1988, o Caleidoscópio (SP, desde 1998) e o Águas de março (RJ), desde a fundação (2008). É Capitão da Marinha, graduou-se Antropologia, Pedagogia e Direito, e fez mestrado em Administração na Fundação Getúlio Vargas.

Fiquei animado com a entrevista, enviei as perguntas, mas ele preferiu um depoimento. Com a palavra, Guin Ga:

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“Foi numa tarde quente de 1986, típica de São Paulo, estava nos arredores da igreja de Santa Cecília procurando uma peça p'ro meu velho Doginho 60 quando, numa banca de jornal, chamou-me atenção um tablóide chamado Portal.

Folheei-o, curioso de cultura e história do Japão que sou, e chamou-me a atenção o nome de seu editor, Francisco Handa. Procurei-o na redação, na Liberdade, e pedi-lhe que me desse sua opinião sobre um texto de minha autoria.

Tratava-se do esboço da história de uma família sansei, um imbroglio de etnias, suiço-alemã-japonesa e paulista, apenas, para não ir mais fundo. O sr. Handa leu-o com atenção, pigarreou e manifestou curiosidade, pedindo-me que falasse mais sobre o assunto. Após, pediu que desenvolvesse mais o tema, e enviasse o texto pelos correios.

Fiz uma assinatura do Portal e aguardei a publicação. Após uns meses sem publicação nem resposta, liguei ao Handa e, desabridamente, indaguei: "Como é?". Respondeu-me que estava aguardando a criação de nova editoria, que seria estrelada pelo meu artigo. Mais alguns meses e nada... Outra ligação e ele pediu-me "gaman", (paciência em Japonês). Conversa fiada, esse japa está me enrolando... Gaman por gaman, convido-o para conhecer a família sansei e afogo-o nas águas do Riacho da Paciência, e aí ele vai perceber que minha "gaman" acabou...

Outra viagem a Sampa e eis-me subindo, mais uma vez, a velha escada do Diário Nippak. Percebendo que minha gaman estava no fim, Handa ofereceu-me cursos de aprendizado de Japonês, de "kanji" artístico, origami, sumi-ê, kiri-ê, excursões com um grupo leigo de Ciências Naturais, e vai por aí... Minha irritação ficou patente quando mencionou o ikebana. Mas o camelô cultural – futuro monge Zen – foi esperto, e antes que eu esboçasse reação arregalou os olhos e falou: "Haikai...! Haikai!"

Conhecia o haikai de um livro do Jacy Pacheco, que fazia parte da trinca de haikaístas papagoiabas, digo fluminenses, em Niterói: Jacy, bancário aposentado, Lyad de Almeida, Juiz de Direito, e Pimentel, Jornalista com letra maiúscula e poeta por profissão, que vive aos 100 anos. Mas esse contato com o haikai foi muito ligeiro: nas páginas do "Haikais", do Jacy, deixei à lápis, uns vinte de minha autoria, após ler os impressos. Esqueci do assunto, até ouvir o brado salvador de Handa.

Falou-me que estavam formando um grupo de estudos e prática do haikai, para o qual me convidava. Foi a fase do Prof. Roberto Saito como orientador, um sábado ao mês, em reunião à tarde, ali mesmo na redação. Um velhinho japonês, que conheci mais tarde – não, ainda não era o Goga – traduzia haikais em japonês para u'a minúscula seção no Portal.

E toca a subir novamente a rangedoura escada de madeira, em calorentas tardes de sábado, uma vez por mês. As primeiras "aulas" foram teóricas, lia-se e falava-se sobre o que era o haikai, por vezes um clássico era posto em discussão. Após a 3ª ou a 4ª aula, expliquei aos participantes que obrigações me prendiam à Niterói, que me avisassem quando começassem de fato a praticar o haikai. Assim, após um breve período de ausência, voltei àquela convivência, já numa sala de aula na Aliança Cultural Brasil-Japão. Desde então decorreram quase três décadas, quando passei a conhecer outros participantes, como o Goga, o Edson, a Teruko, o Alberto, amigos que muito me ensinaram, sem esquecer o Handa, hoje querido monge Zen, a quem devo essa interessante participação na cultura japonesa .

Quanto à participação no Grêmio Haicai Ipê, nenhum dos atuais haikaístas são fundadores, nem eu, nem o Goga. Só conheci dois deles, o Saito, já em outra, decepcionou-se em um encontro anual quando soube que os convites para conhecidos haikaístas sulamericanos, pela negligência de alguém, deixaram de ser postados; e o Handa, que não é um simples fundador, mas o estrategista que, modestamente, dirigiu a fundação. Não fosse seu intenso horário de trabalho no Templo Busshinji, tenho certeza de que participaria mais das reuniões e encontros. Ele colabora para os tsukimi (contemplação da lua) intensamente, todo início de outono. (Dispenso-me de comentar a importância do Grêmio para mim, após tudo que falei acima).”

Haicais de Guin Ga:

Penumbra nos bosques
ao escachoar dos riachos...
Ah... a primavera !

Fins de setembro –
Na maré de lua cheia
os peixes pululam...

Outra vez na estrada...
Os dias vão se alongando
e meus pés mais trôpegos.

Vale do rio do Peixe –
Nos confins do mês de março
colhem-se as uvas...

Ah, que noite quente !
De manhã, junto à lanterna
asas de cupim...

Verão, meio-dia.
O cheiro das ervas ao sol
no terreno baldio...

Na olaria, os cântaros
ecoam a chuva de outono...
O gato ressona.

Igreja apinhada...
O padre ordena aos fiéis
que abaixem os ramos !

Noite alongada.
Perambulo pela casa
e o gato me segue...

Porteiro do prédio
sai de seu frio cubículo
e põe o canário ao sol...

No espelho d'água,
trêmula, a lua de inverno
oculta a sua face...

Na réstia de sol
sobre o branco do açúcar
o zum-zum de abelhas...

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José Marins, é escritor e haicaísta
http://fieiradehaicais.blogspot.com