quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Haicai - Manhã de verão


manhã de verão -
o movimento na estrada
asas do tucano

***

mañana de verano -
el movimiento en la carretera
alas de tucán

***

summer morning -
the movement on the road
wings of the toucan

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Haicai da Morte: Mukai Chine

Mukai Kyorai, poeta japonês que foi um dos 10 discípulos de Bashô, tinha uma irmã mais nova chamada Chine, que também escrevia haicais. Ambos nasceram em Nagasaki na era Tokugawa, filhos de um famoso médico. Infelizmente, pouco se sabe sobre ela e sua obra, talvez ofuscada pelo brilho do irmão.

Mukai Kyorai, em ilustração de autoria desconhecida

No entanto, conta-se que quando Chine tinha por volta de vinte anos, ela e Kyorai viajaram juntos para o templo de Ise, e durante esse período ela compôs diversos haicais, considerados tão bons (ou melhor até) que os de seu irmão.

Por volta dos 28 anos, Chine veio a falecer e deixou o seguinte haicai:

se apaga
tão rápido quanto acende -
um vagalume

Kyorai escreveu um haicai após a morte da irmã e nele podemos ver um pouco da tristeza que o tomou:

triste contemplo
a luz se apagar em minhas mãos -
um vagalume.

Em seu livro de memórias, Kyorai conta que recebeu um poema de Bashô, quando estava a arejar o guarda-roupa da irmã. O haicai era uma homenagem a Chine:

arejando o manto
daquela que já se foi -
limpeza outonal


Referências:
Haiku: An Anthology of Japanese Poems, de Stephen Addiss
Japanese Death Poems: written by zen monks and haiku poets on the verge of death, de Yoel Hoffmann

sexta-feira, 28 de março de 2014

Contemplação da Lua 2014

Como já é tradição no Templo Busshinji, o evento de Contemplação da Lua ocorre agora em abril.

Foto de Alessandro Carnevali

A lua é um tema muito caro aos haicaístas e o outono uma estação que carrega em si um clima mais introspectivo. Com isso combinado, diversos poetas se reúnem todo ano para compor haicais tendo a lua de outono como inspiração, numa noite também com comes e bebes no Templo.

O evento é aberto ao público, não é necessário pagar entrada ou fazer inscrição. Mas quem quiser, pode fazer uma doação espontânea de qualquer valor para o templo budista para ajudá-lo a se manter :-)

No site Caqui, que oferece apoio cultural ao evento, você pode saber como foram as edições anteriores além de poder ler os haicais compostos nas ocasiões, basta acessar:
http://www.kakinet.com/lua/


Informações sobre a Contemplação da Lua:

15 de abril de 2014, terça-feira, 19h30.
Espaço Cultural Soto-Zenshu -Templo Busshinji
Rua São Joaquim, 285 (Próximo ao Metrô São Joaquim)
Liberdade, São Paulo/SP

ps: dia 15 de abril também é o dia do eclipse lunar total, que poderá ser visto no Brasil pela madrugada. Ele começa à 1h00 e termina às 8h, com bastante variações dependendo do local. Em São Paulo, o eclipe máximo deve ocorrer pelas 4h45.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

5 dicas para escrever mais e melhores haicais

Antes de irmos pra lista, gostaria de dizer que este não é um guia definitivo de nada, são apenas pequenos hábitos que tem me ajudado a voltar a escrever depois de muito tempo parado e acho que pode ser valioso para mais pessoas.

O haicai é um caminho muito pessoal e esta lista foi escrita para, mais do que indicar uma rota, trocar experiências depois nos comentários sobre se alguém já faz algo que citei, se realmente acha que ajuda, se tem outra dica e coisas assim :-)

Então vamos lá:

1) compre um caderninho de anotações

Como disse, escreva sem muita censura, para criar o hábito

O caderninho, em época de smartphone, poderia ser facilmente substituído por algum app, mas mesmo eu que sou um geek, confesso que ter adotado a escrita mesmo foi muito mais prazeroso e fácil. O importante é estar com ele fácil para onde for, e anotar todo haicai que lhe vier a cabeça. Acho importante que se frise: não precisa escrever um grande haicai, não se barre, ao menos não no começo, escreva livremente, haicais, senryus, para se acostumar.

2 - acompanhe blogs e sites sobre haicai
Há vários que indico aqui no blog, ali na parte de Parceiros, o Kakinet, por exemplo, é o principal divulgador do haicai no Brasil e possui também uma lista de emails que vale a pena assinar. Todos que estão ali eu recomendo mesmo, mas siga os que mais lhe agradam. E não deixe de pesquisar mais e mais, que esse mundão tem muita gente escrevendo. Eu mesmo aqui no blog comentei certa vez de uns haicais indianos muito interessantes que encontrei por aí :-)

3 - tire fotos

uma cachorrinha selvagem, um barco à sombra, um pássaro ladrão de ração. a nossa volta tem muita poesia

Quem pesquisa sobre definições de haicai volta e meia dá de encontro com explicações como "o haicai é como fotografia, capta o instante e mostra sua sensibilidade na foto sem aparecer nela".  E é verdade em partes, pois ambos buscam o registro de um momento. Acho que a única diferença é o balanço entre contemplação e criatividade. Ao tirar foto, as pessoas costumam se preocupar: como vou captar isso de maneira criativa?, uma preocupação que não ocorre com muita frequência em haicaístas, que se preocupam muito mais em registrar algo que mexeu com seus sentidos. Mas como disse, é uma questão de balanço, e acredito que exercitar um lado melhore o outro.

Hoje, todo smartphone tem uma câmera razoável. Se você tem um, deveria passear pelo Instagram e clicar mais coisas a sua volta. Como exercício, que tal também tentar transformar uma foto num haicai?

4 - pesquise haicais em outras línguas e os traduza


Com um pouco de conhecimento em qualquer língua, é possível usar esta dica. Serve como exercício de tradução e de aprofundamento em algum autor. Eu tenho um caderninho que dividi em inglês e espanhol, que são línguas que tenho certa afinidade, e nele eu copiei um moooooooonte de haicais que encontrei pela internet, tem o americano Jack Kerouac, o mexicano José Juan Tablada, o uruguaio Carlos Fleitas, o inglês David Cobb, o canadense Bruce Ross, enfim. Um bom lugar pra pesquisar haicais em outras línguas é a seção Haiku International da Terebess.

5 - compartilhe!
Acho que de tudo o que escrevi, essa é das mais importantes: ao escrever haicais, compartilhe com outros haicaistas pedindo que eles avaliem como você poderia melhorar, o que eles acharam e referências. Na lista da Kakinet, que citei acima, há muitas pessoas dispostas a ajudar e fazer críticas construtivas. Eu me considero razoável para escrever haicais, às vezes sai um que gosto, muitas não, mas estou sempre tentando, e não seria metade do que sou hoje sem os muitos conselhos de pessoas que considero mestres, mais que amigos, nessa arte, como José Marins, Paulo Franchetti (com quem tive oportunidade de participar numa oficina de haicai no SESC Campinas), Celso Pestana e a Rosa Clement, que quando eu iniciei minha trilha de haijin na lista Haikai-L, dedicavam parte de seus preciosos tempos para analisar o que escrevia.

É isso, pessoal! :-)

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Conteúdo do Haicai - Haimi

Se haicai fosse uma droga, o haimi seria o princípio ativo. Se fosse um refrigerante, seria o tssss do abrir da tampa. Se fosse uma fruta, seria o sulco que escorre na primeira mordida. Ou ainda, se fosse uma mágica, seria o "Aha!" de quem reconhece o truque. Haja metáfora para explicar o que é o haimi!

Foto de fishbulb1022

Haimi costuma ser traduzido como "sabor do haicai", e é um negócio bem difícil de explicar ou mensurar, mas fácil de sentir. É aquilo que a gente não sabe o que é mas quando damos de cara com um logo dizemos: "É isso! É ele! Que haicai!".

Chuva de primavera —
Uma criança
Ensina o gato a dançar.
Issa

O sabor do haicai nos provoca a participar da cena, a senti-la, com o perdão dos budistas diria que é um satori de bolso, é como disse a sra. Oda "uma provocação transcedental". Difícil de descrever sem parecer piegas ou exagerado. É como tentar descrever o delicioso sabor de uma tangerina madura, falando nem parece tão bom.

"Apesar das várias regras, tem uma coisa intangível, da sensibilidade, que não tem como medir, que a gente chama de haimi, o sabor do haicai."
Alice Ruiz

Por isso, selecionei alguns haicais para vocês lerem vagarosamente, degustando o sabor refinado da poesia de origem japonesa tão bem cultivado em terras tupiniquins:

quando percebi
toda a avenida tinha
se jacarandado
Sérgio Pichorim

último jasmim
primeira azaléia
encontro no jardim
Alice Ruiz

Mesmo com fome,
Não se apressa como as outras
A galinha manca.
Paulo Franchetti

roupa no varal—
a borboleta pousada
na anágua da vovó
Nete Brito

Noite fria e escura.
Na memória, acendo
o candeeiro de meu pai.
Saulo Mendonça


E quem buscava um texto mais teórico, me desculpe, quem sabe no próximo...

Leituras recomendadas: 
Os 10 desmandamentos do haicai, escrito por Ricardo Silvestrin
Haicai, a insustentável leveza do zen, escrito por Denise Góes